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Canibal

Os anos 1980 viram pipocar filmes que radicalizaram a intertextualidade no cinema. Isso em vários países, inclusive no Brasil. Essas obras tarantinescas, para usar um termo de Walter Salles, colocam para jogo um banquete de citações, empilhando, cena a cena, cacos de outros filmes. O curta de Sara Pinheiro e Pablo Lamar também aposta no fatiamento do passado recente ao misturar memórias do cinema de horror num conto de clausura e alucinação.


O filme começa na escuridão de um corredor cujo cromatismo mistura o azul com o vermelho, criando uma atmosfera muito familiar a quem gosta dos filmes de Dario Argento. A personagem vem se arrastando de costas da direita para a esquerda. Ela entra no quadro com dificuldade enquanto escutamos uma risada estilizada - uma bruxa de Suspiria?


Trata-se de um filme cuja história acontece num apartamento habitado por um casal. A protagonista parece assombrada. O homem, enlouquecendo. Antes dele ter um ataque e morrer envenenado na cozinha, a mulher assiste televisão. O pastor Silas Malafaia roga pragas no mundo através do fora de campo, enquanto o olhar atônito da personagem sofre para se manter aberto sob a luz azulada do televisor.


Outra cena já nos remete à alcova de Bebê de Rosemary. No breu e atormentados pela risada da bruxa, o casal concebe um filho maldito. Claramente algo estranho vai acontecer. Os cantos do apartamento parecem ranger. A mulher levanta e já está prestes a parir.


O momento do parto faz um uso de efeitos analógicos ou truques para causar estranheza e nojo. A mulher dá à luz a um pedaço de bife, que acena para a mãe e depois parte para o ataque. Mas o pesadelo lynchiano se encerra com a protagonista tomando as rédeas do espaço através de um dos grandes emblemas dos filmes slasher: uma faca. 


Fazendo jus ao absurdo que toma conta do curta, o filme se encerra com um plot twist. A geladeira empanturrada de carne humana embalada em plástico delatam a canibal.

 

Este texto crítico foi escrito por João Paulo Campos, crítico e pesquisador, para a obra "Conto Anônimo" (Sara Pinheiro & Pablo Lamar, Brasil, 2024), exibido em 24 de fevereiro de 2024, na programação do Prêmio Humberto Mauro.

 

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