por Renan Eduardo
Atravessando o imaginário popular de várias gerações desde o seu lançamento, Duro de Matar (1988) certamente é um dos filmes mais conhecidos não apenas do cinema hollywoodiano, mas também do cinema mundial. Seu sucesso entre o público e crítica pode ser explicado a partir da simbiose entre alguns dos mais populares gêneros americanos: ação e natal. Mas este é apenas o ponto de partida de seu grande sucesso. O brucutu natalino, uma das “obras permanentes” da história do cinema, consagrou Bruce Willis, ator que não tinha costume de fazer filmes de ação, como um dos maiores do gênero. Mas por quê?
Por que Duro de Matar é considerado como um dos clássicos da história permanente do cinema? Essa questão me foi mobilizadora até mesmo antes de reassistir o filme para escrever esse texto e explico aqui o porquê eu concordo com as afirmações de que este é um clássico.
Ao final dos anos 1980, o blockbuster hollywoodiano enfrentava uma certa “ressaca” entre os filmes de ação, principalmente os brucutus (se é que podemos considerar este um sub-gênero). Os filmes explicitamente propagandistas de um “super-soldado” estadunidense em um território hostil, longe de sua terra, enfrentando um inimigo antagonicamente ideológico - como os da série Rambo e outros - apresentaram um certo desgaste e uma falta de interesse do público, principalmente após a derrocada dos EUA no Vietnã.
Neste contexto, John McTiernan, que já havia dirigido O Predador (1987) um ano antes, gira a chave de seu próprio cinema e apresenta um filme brucutu diferente em relação ao seu anterior. Ao invés dos EUA tomarem outros territórios, “a terra da liberdade” tem sua própria área invadida por um inimigo - “mal externo” que ameaça os tradicionais valores estadunidenses.
Através de um viés econômico, moral ou ideológico, a multinacional japonesa e o grupo terrorista da Alemanha Ocidental são constantemente apresentados como ameaças à soberania norte-americana. Seja na festa corporativa em plena noite de natal, na iminente separação do casal McClane ou na falta de preparo da polícia e do FBI, John McClane (Bruce Willis) atua como um agente restaurador do ideário patriótico americano e do espírito do “bom e velho” espírito natalino de reconciliação. A harmonia entre ele, Holly (Bonnie Bedelia) e seus filhos, entre o policial Al Powell (Reginald VelJohnson) e sua autoconfiança, entre os americanos e o patriotismo, se destacam nessa jornada do herói.
Mas, apesar das conexões e diálogos com os anseios da sociedade conservadora estadunidense dos anos 1980 e a política externa do governo americano, isso ainda não responde ao questionamento que abre o texto. A relação entre o cinema e a sociedade pode ser feita por “qualquer” outra obra ou diretor. Contudo, ela, por si só, não responde a pergunta que move esse texto: Por que Duro de Matar é considerado um clássico do cinema?
“Esse filme não é bom... estou assistindo há uns 20 minutos e não teve sangue jorrando, ninguém bateu em ninguém, ninguém apanhou de ninguém. Eu quero é ver pancadaria!”
Seu Zé Paulo
A frase repetidamente dita por meu bisavô, indica um critério próprio de avaliação cinematográfica qualitativa que ele adotava para parecer positiva ou negativamente sobre um filme. Tal frase sintetiza muito bem o trabalho de John McTiernan como diretor neste filme: pancadaria das boas. Em consonância com o parágrafo anterior, o que eu quero dizer é que um diálogo com o contexto sócio-político de uma sociedade, por si só, não basta. Para além de todo o “subtexto” do filme com a sociedade norte-americana, isso não sustenta Duro de Matar (e nenhum outro filme) como um bom filme ou até mesmo uma das principais obras do cinema mundial.
No final das contas, o que faz um bom filme de ação é, justamente, a ação. Sangue, tiro, porrada, bomba, acrobacias e frases de efeito é o que o público quer assistir quando vê um filme deste gênero. Não estou reivindicando que os filmes de ação sejam apenas de ação per se. Saber como se inserir em seu próprio tempo também é importante para que o filme seja bem recebido. Meu ponto é: John McTiernan sabe muito bem como articular esses dois elementos. Inserir uma trocação sincera em seu tempo histórico.
Apesar de ser um filme de estrutura relativamente “simples” e de roteiro “clássico” - no sentido mais Syd Fieldiano da palavra[1] -, o filme jamais escapa por uma chave “simplista”. McTiernan e seus roteiristas sabem muito bem como prender o espectador pelo binarismo mais tradicional do “filme narrativo”: pista-recompensa. Melhor dizendo: o filme dá para o espectador um elemento narrativo de forma implícita e o resolve ao decorrer da trama, desencadeando em outras ações de seus personagens, e assim sucessivamente. O porta-retrato da família McClane, o “nome de solteira” de Holly, a empregada imigrante, entre outros, são alguns exemplos de pistas que se transformam em elementos chave para o desenrolar da narrativa.
Além disso e da boa mescla entre diferentes gêneros cinematográficos, Duro de Matar apresenta uma reimaginação do velho oeste em um contexto tecnológico, empresarial e urbano. O estereótipo do cowboy solitário contra uma gangue de invasores em um vilarejo, trama comum nos filmes estrelados por Clint Eastwood, é muito similar ao desafio de Bruce Willis contra doze terroristas no edifício Nakatomi Plaza. A fisicalidade dos brucutus versus os aparelhos tecnológicos, as cenas de luta versus os hackers invadindo o cofre, as super-armas versus o confronto mano a mano são contrastes explorados por McTiernan que dão uma nova cara para o gênero.
Por fim, o que consagra Duro de Matar como um dos maiores de seu gênero é a boa articulação do filme com a sociedade que se situa, mas não apenas isso. As boas cenas de luta, as famosas frases de efeito e um roteiro que prende o espectador do início ao fim, coroam o filme também como um dos maiores do cinema.
“Yippee ki-yay, mother fucker!”.
[1] Syd Field é autor do livro Manual do Roteiro, no qual analisa e estabelece uma série de técnicas sobre a escrita de roteiros, sobretudo referente ao longa-metragem de três atos.
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