Filmes de guerra, apesar de à primeira vista não parecer, têm um leque grande de possibilidades de abordagens dos conflitos que eles retratam. O primeiro tipo - e o mais óbvio - são os que retratam diretamente os campos de batalha, com tiros, fugas de armadilhas e etc. Como exemplo, O Resgate do Soldado Ryan (1998), de Steven Spielberg ou 1917 (2019), de Sam Mendes. Outra possibilidade são os bastidores do conflito como O Destino de Uma Nação (2017), de Joe Wright ou Operação Valquíria (2008), de Bryan Singer (ainda que esses dois tenham diferenças consideráveis entre si), ou ainda paródias que criam outras versões para a História como Bastardos Inglórios (2009), de Quentin Tarantino, entre outras possibilidades. Colina dos Homens Perdidos (1965), de Sidney Lumet, se encontra numa categoria de filmes cujas histórias ocorrem às margens da guerra e que a trama ocorre, entre os bastidores da guerra e o campo de batalha.
No longa, durante a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945), assistimos à chegada de cinco militares a um acampamento / prisão militar britânico cujo objetivo é disciplinar os que tiveram atitudes que foram contra às regras do exército. Os crimes vão desde roubar bebidas até se recusar a cumprir ordens de um superior e agredi-lo. O longa mostra a rotina do acampamento, a relação entre os prisioneiros e a forma abusiva que os responsáveis pelo local tratam os militares. Temos uma abordagem de como é a vida nos limites desse acampamento e principalmente, como o exército trata seus próprios compatriotas. Inclusive, o principal conflito envolve os cinco recém-chegados e como um dos guarda os trata de forma desumana.
Colina dos Homens Perdidos segue uma tendência dos filmes de guerra que surgiram principalmente a partir da Guerra do Vietnã (1955 - 1975) onde não se busca demonstrar as glórias dos campos de batalha e seus heróis, mas problematizar os conflitos e os acontecimentos que os envolvem. Para abordar isso, o filme opta por trabalhar com uma “crueza” das imagens em que não existe um polimento com uso de trilha sonora ou tentativas de torná-las mais grandiosas. O longa retrata os acontecimentos como são, quase emulando um tempo real em que as coisas acontecem, com o uso de planos longos.
Os cortes são usados somente em momentos extremamente necessários. Ao invés disso, Lumet investe em um trabalho muito interessante na composição dos planos. No lugar de corte e um novo enquadramento, ele busca um movimento de câmera que enquadre a cena da forma que ele queria logo em seguida. Na maioria das vezes, a colina que dá nome ao filme - um monte feito com sacos de areia pelos que estão presos no acampamento - está presente nas composições dos planos externos, assim como os demais homens que treinam no acampamento ao fundo. Isso ajuda a reforçar ainda mais a ideia de exaustão e um perigo iminente de ser castigado e ter que subir aquela colina mais vezes com seu equipamento nas costas, debaixo de um sol escaldante. Subida que vai ser responsável por um dos maiores conflitos do longa. Para essas composições, Lumet abusa do uso de gruas para dar uma visão mais ampla do ambiente e câmera na mão para esse movimento contínuo.
Esse conjunto de escolhas, faz com que o filme aparenta ter mais tempo do que ele realmente tem (e isso não é um demérito). Talvez uma tentativa de emular o quão exaustivo e duradouro era o cotidiano dos que estavam presos ali. Efeito que funciona ainda mais visto com os olhos de hoje em que estamos bombardeados por imagens e coisas mudando a cada novo deslizar de telas. Contraste também no campo do cinema tendo como referência outros clássicos e guerra que utilizam a música pop como um elemento básico do filme. Exemplos como Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola e Nascido Para Matar (1987), de Stanley Kubrick, que trazem em sua trilha sonora canções que reforçam as tragédias (“The End”, de The Doors) ou funciona de forma sarcástica (“These Boots Are Made For Walkin”, de Nancy Sinatra).
Colina dos Homens Perdidos é baseado em uma obra escrita originalmente para a televisão e traz elementos que seriam vistos de forma muito similar em outra produção, que tem como pano de fundo ao invés da Segunda Guerra Mundial um conflito muito mais rápido que foi a Guerra do Golfo (1990 - 1991). O filme é Soldado Anônimo (2005), do já citado Sam Mendes. Nesse, um grupo de soldados fica em uma situação de isolamento parecida com o longa de 1965, porém, ao invés de punição por indisciplina, eles cumprem entediantes ordens de vigiar poços de petróleo durante o conflito. Além disso, os soldados sofrem pressão psicológica, muitas vezes por si mesmos, por não produzirem nenhum feito heroico e a guerra que eles “lutam” é bem diferente do que viram na televisão ou no cinema. Os princípios podem ser diferentes, mas a ideia de estar confinado em um ambiente restrito, às margens de um conflito e tendo de lidar com desafios que são diferentes do que eliminar o inimigo, são os mesmos.
Os dois filmes têm inclusive uma cena bem semelhante. Em Colinas dos Homens Perdidos, um dos confinados no acampamento é obrigado a usar uma máscara anti gás para subir a colina. Enquanto ele faz o exercício, vemos em primeira pessoa sua visão de dentro da máscara e a visão de fora, com ele subindo e descendo o morro. Em Soldado Anônimo, o sargento quer fazer uma demonstração para uma equipe de televisão e obriga os soldados a jogarem futebol americano utilizando trajes anti gás muito parecidos com o do primeiro longa. Nesse momento, temos o mesmo tipo de visão entre primeira pessoa e a de fora dos militares. Apesar de ser um tipo de cena que já vimos em outros filmes usadas com outros fins, não é de se duvidar que Sam Mendes tenha usado a obra de Sidney Lumet como inspiração. Inclusive, depois de terem feito uma “gracinha” para os repórteres nessa cena, o superior os obriga a construir uma colina muito parecida com a de Colinas dos Homens Perdidos debaixo da chuva. Sinal de que as coisas no exército não mudaram muito de lá para cá.
Este ensaio foi escrito por Cleiton Lopes como parte da mostra Lumet: Os Desafios Humanos.
Sobre o autor
Crítico e pesquisador, mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes (EBA) da UFMG, formado em Cinema e Audiovisual pelo Centro Universitário UNA.
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