por Bianca Rolff
Há coisas na vida que nos fazem olhar para o mundo sob novas lentes. Que nos permitem mudar a perspectiva, observar o cotidiano de maneira diferente. Reobservar o mundo. Dentre tais coisas, talvez a mais significativa esteja na possibilidade iminente da morte. Pensar que temos um tempo de vida marcado, que o futuro não é mais indefinidamente extenso e que talvez não tenhamos mais tempo, nos faz olhar para o nosso entorno com olhos de quem tudo vê pela primeira vez. E é esse olhar que acompanhamos em Cléo das 5 às 7, filme de Agnes Varda.
Se fosse possível definir em uma palavra essas (quase) duas horas em que acompanhamos Cléo, a protagonista do filme, eu escolheria “frescor”. Aquela sensação de leveza, de novidade, de que tudo parece saltar ao nosso olhar como se surgisse no mundo exatamente no momento em que para algo olhamos. É nos dada a chance de enxergarmos o mundo sob a perspectiva de uma jovem com medo da morte, com receio que de tudo acabe. E justamente por isso, cada aspecto de sua vida nessas duas horas de agonizante espera saltam com ainda mais beleza e delicadeza.
O movimento constante em cada cena – seja através do andar das personagens, dos planos longos acompanhando carros e ônibus, dos diálogos que se sobrepõem uns aos outros, ou mesmo do pulsar da cidade e das pessoas que ela compõem – traz, em si, uma sensação de vida intensa e nova. É como se Cléo, em sua busca pelo resultado de uma possível doença, se colocasse diante da vida pela primeira vez, ainda que a sua rotina (pessoas, lugares, trabalho) estivesse presente como antes. Entretanto, o olhar dela – e consequentemente o nosso – para tudo se torna novo, reparando nas peculiaridades do cotidiano e nas possibilidades simples de novos encontros e novas perspectivas. Os espelhos – tão presentes em diversos lugares por onde ela passa – refletem uma realidade inversa: ela espera a morte, mas é a vida que vem de encontro a ela.
Olhar para o mundo com os olhos de uma criança não é uma tarefa simples. Ao longo do tempo, perdemos a capacidade de nos encantarmos com as sutilezas da vida, deixamos o encantamento pelo mundo ser substituído pela rotina e pelas regras de conduta. Cléo (Florence, a flor que desabrocha) se deixa voltar em um tempo abstrato da infância, tempo em que a vida é bela simplesmente por existir, e nós, diante de uma narrativa que parece ser tecida diante de nós como um registro da vida como ela é, também somos trazidos para um mundo em que tudo reluz sem culpa. Por vezes, é preciso apenas respirar e sentir o frescor do presente.
A primavera chega trazendo com ela um jardim de lindas possibilidades.
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