por Alessandra Brito
Um amigo querido comentou que Lucrécia Martel disse em uma entrevista que se inspirava muito no livro “A natureza do espaço” escrito pelo geógrafo e pesquisador Milton Santos. Achei bonito isso, sobretudo porque me interessam os espaços, as experiências, instantes, imagens situadas geograficamente. Em outra entrevista da diretora, ela comentou que uma pessoa que vivia na província argentina de Salta, após ver o filme disse a ela de como o longa era Salta, que o lugar saltava aos olhos com e nas imagens. Cheguei n’O Pântano acompanhada dessas duas histórias.
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A sensação de entrar abruptamente na casa de alguém, acompanhar a vida dos moradores, observar as conversas, o ritmo do dia a dia, os ruídos do cotidiano, o tilintar dos copos, as coisas por fazer, o modo como os objetos estão dispostos, os silêncios, os gritos, os acidentes. As cenas iniciais d’Pântano ruidosas e, por hora, velozes me deixam atordoada de início, apesar de uma certa aproximação que temos com as personagens no filme – estamos em seus quartos, no banheiro – há algo muito íntimo que sempre nos escapa. Observo a casa, as famílias, mas ainda assim persiste uma neblina nas relações.
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O risco e tensão instaurados no filme, pelo som e pela montagem, me fazem sentir que as personagens estão sempre em uma situação inescapável. Para além das cenas nos interiores da casa, que me causam certa percepção de clausura, mesmo nos planos exteriores me parece existir algo do qual não se pode escapar. As crianças na mata, estão sempre passando por passagens estreitas movendo galhos e folhas (geralmente com uma presença em cena de uma arma de fogo), e na festa de carnaval há o aperto da multidão.
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Ainda sobre a clausura, as personagens Mecha (Graciela Borges) e Tali (Mercedes Moran) são as que me parecem mais submersas nas teias da rotina, mesmo que tentem se mover a partir do plano da viagem juntas, acabam por ser agarradas por seus cotidianos. E Mecha, que aparece quase que o tempo todo dentro no quarto, em sua cama, compra um frigobar para ficar ao lado da cabeceira, a despeito de sua recusa a sina que acabar sua vida presa a cama.
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Algo me chama atenção nos maridos - tanto Gregório, com sua apatia e embriaguez quase fantasmagórica, como Rafael, que aparenta certa participação na rotina doméstica, mas de modo atrelado ao controle das ações da esposa, seja recriminando-a por deixar as crianças na casa da prima, ou impedindo a viagem que ela faria - eles ainda escapam por vezes do quadro da vida doméstica que o filme compõe.
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O filme se inicia em um acidente e termina com outro, o que me fez pensar que o ciclo vai iniciar de novo, com as pessoas vivendo suas vidas com certa apatia diante dos emaranhados de seu cotidiano, e de desastres, aparentemente apaziguados, em um contexto de convívio em ruínas.
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